quinta-feira, outubro 18, 2007

Homo Sapiens-Sapiens


No longo corredor, luz fria e gente apressada. Primeiro um menino numa cadeira de rodas, tetraplégico e traqueotomizado. Na sala de espera, a menina que come o iogurte que lhe vai saindo pelo nariz. Lá dentro, caracóis esparramados na marquesa, mãe, vai doer?
Em mim, pelo menos, já está a doer que se farta. Mas é só uma picadinha e um ardor, filhota. Fecha os olhos e faz de conta que estás a nadar com os golfinhos (não digo sempre que é preciso ter uma conta-poupança de memórias doces para usar em tempos amargos?). Tens que ficar bem quietinha por mais ou menos uma hora.
Mãe, tenho teste de história amanhã, podemos estudar um bocado enquanto aqui estou?
Claro (nem há mesmo nada que me apeteça fazer mais neste momento, querida...).
Sabes qual foi a conquista do Homo erectus?, (se eu não estivesse tão aflita, havia de ter um ou dois pensamentos bem maliciosos a este respeito, mas assim, só arrisco baixinho: o fogo?).
Sabias que o Homo Sapiens-Sapiens foi o primeiro a fazer esculturas? Só esculpia mulheres, grandes seios e ventres proeminentes (onde aprendeu ela estas palavras difíceis, assim tão a despropósito neste corredor de hospital público?), sem rosto, sabes por quê? Porque todos os seus conceitos eram ligados à Natureza e as mulheres eram só fonte de leite e crias (fico tão feliz por já termos evoluido tanto, filha!), a cara não importa, até porque elas deviam ter todas barba ou pelo menos, montanhas de pelos.
Daqui a três semanas mais exames, duas análises de medicina nuclear (nuclear não é aquilo onde o Homer Simpson trabalha, mãe?), volta cá, mas à partida parece não se confirmar a suspeita inicial.
Bora correr daqui para fora e atascar-nos num super banana-split, nós merecemos.
Mãe, como será que as mulheres homo sapiens-sapiens faziam quando aparecia o período?
Há tantas coisas que uma mãe não sabe..., mas antes de dormir, esta mãe fez uma oração silenciosa por todos os meninos que viu ontem e pelas suas mães.
Muito, muito grata pelos miminhos que me deixaram ontem. Não sou boa a falar das coisas que me doem. Assim, aqui escrito, pude partilhar um grande tormento e sentir-me mimada. Bem hajam.

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15 Comments:

At 18/10/07 9:41 da manhã, Blogger Madalena said...

Azulinha, coração de mãe bate sempre forte, mesmo quando a dor está nos filhos dos outros, pois todas sabemos que a condição de mãe é da vulnerabilidade absoluta. Os sustos, mesmo quando não passam de sustos, deixam sulcos profundos na alma e na memória. Mil beijinhos e deixa-me juntar-me ao teu pensamento, na oração silenciosa.

 
At 18/10/07 9:56 da manhã, Blogger neva said...

125 só pode ser extremamente doloroso para uma mãe ver um dos seus filhotes num hospital. Lembro-me que quando a minha mana me deu uma pancada na cabeça, a minha a mãe foi a correr comigo para o hospital, pois estava a deitar sangue da cabeça e bem me lembro da sua força para ajudar a sua filha, sem duvida que nesses momentos as mães são as mais corajosas, fortes e resolvem todos os problemas, pelo menos é isso que os filhotes vêem. Agora por dentro deve haver um medo do tamanho do mundo e um aperto grande no coração. bjs grandes

 
At 18/10/07 11:13 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Ontem quis deixar-te umas palavras, mas esta máquina não quis. Comunicava-me, friamente, que não era possível...
Já vejo um raio de sol, todo, todo inteirinho, na tua direcção, Azulita.
Beijinhos

 
At 18/10/07 11:15 da manhã, Blogger Álex said...

que aperto de coração ao ler a descrição destes teríveis momentos; mais mimos que nunca são demais nestas situações e coragem

 
At 18/10/07 1:09 da tarde, Blogger greentea said...

vai correr tudo bem , 125.
Estás muito cansada mas tb tu vais conseguir reagir.
Podes acender todos os dias uma vela branca de protecção para a filhote - pode ser daquelas que se poem numa taça de água e ficam a boiar.


Traz boas energias, tal como o incenso de coco e canela.

Um beijo para ti

 
At 18/10/07 2:10 da tarde, Blogger Pitanga Doce said...

Azulinha, eu queria dizer tanta coisa...mas não consigo.
Só uma pergunta: do quê somos feitas, minha querida?

beijos sempre carinhosos.

 
At 18/10/07 6:54 da tarde, Blogger Hindy said...

Então cá vai um grande miminho hindyado para dar muita força às duas...

 
At 18/10/07 8:54 da tarde, Blogger C_mim said...

ó linda azulinha, vai ficar tudo bem. Vai sim. Beijinho beijinho beijinho...

 
At 19/10/07 1:27 da manhã, Blogger chiqui said...

mimos, beijos, carinhos. em portugues e ingles (que pra serem a dobrar :).
muita forca, minha querida.

 
At 19/10/07 5:17 da manhã, Blogger Pitanga Doce said...

Vai descontrair um pouquinho lá em casa. Há festa.
beijos

 
At 19/10/07 7:44 da manhã, Blogger AEnima said...

Nao ha nada como uma mae nos tempos que nos assustam. A minha, que nao percebe nada de medicina mas fica a aprender tudinho num instante, e' o meu apoio, ainda hoje, aos 30 anos e 5 mil milhas de distancia. Quando ela esta comigo, nunca nada de mau acontece, sabias? E porque a Mae Natureza e' igual para todos, tambem nada de mau acontece 'a Ana.

Beijos enormes.

PS - E ja agora, uma outra das principais conquistas do H. Erectus foi exactamente a conquista da verticalidade definitiva... dai o nome do homenzito. :) Essa foi a minha materia de Historia favorita de todos os tempos! Ainda me lembro do trabalho que fiz sobre as pinturas rupestres dos neanderthal na peninsula iberica! Escrito 'a mao e encadernado por mim com lacinhos :)

 
At 19/10/07 8:04 da manhã, Blogger Angela said...

Querida, nem sei o que dizer mas sei que sempre teremos coragem e força para segurar nossos filhotes.
Que a Ana esteja com a melhor saúde e que você tambem fique nutrida com banana-split ou com a conquista das ereções sapiens.
Muito amor pra toda esta família e mais pra todas as mães do mundo.

 
At 19/10/07 4:57 da tarde, Blogger Sinapse said...

Beijinhos e mais miminhos!

 
At 20/10/07 8:19 da tarde, Blogger vih said...

A dor que vemos os outros passar deveria servir para olharmos para nós mesmos e percebermos a nossa fragilidade e força no apoio e ajuda aos outros, sejam esses outros os nossos ou os os dos outros, pois nós somos o "outro" dos outros e só somo "nós" ára os nossos. cada vez me sinto melhor naquilo que acredito ser a minha "missão": AJUDAR. Também sei que é esta a tua missão pois tens judado muito e sabes bem quanto tens "recebido" de todos a quanto "deste a mão" ou "emprestaste o ouvido" ou "partilhaste a palavra certa". Por mim e por muitos dos teus pacientes que somos muitos: MUITO OBRIGADO.
As melhoras da Ana e por favor não lhe expliques a minha versão de homo erectus.

 
At 24/10/07 6:11 da tarde, Blogger Nana said...

So um pensamento para dar força a essa mãe coragem da menina Ana (como eu) e desejar que não seja nada mesmo ...

 

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