Adorava saber escrever como o Luís Fernando Veríssimo! É que hoje tenho uma história para contar que escrita por ele seria deliciosa...
Tentarei esmerar-me.
Aconteceu assim: é impossível perder a estreia do Almodovar. Os cinemas mais práticos são os dos Centros Comerciais e as grávidas precisam de ir à casa de banho mais do que as não grávidas.
Isto posto, lá vou eu a caminho da "casinha". E encontro dentro da box que escolhi um daqueles telemóveis XPTO, dos que tiram fotos, fritam batatas e fatiam fiambre, em fatias grossas ou finas.
Imagino a dona do dito aflita quando desse pela perda e saio da "casinha" com o telemóvel na mão.
O meu marido, entendidíssimo em tecnologias de ponta ( vá, não sejam brejeiros!), pega no aparelho e vá de procurar o último número para onde a dona teria ligado, para tentar avisar alguém de que o telemóvel tinha sido encontrado e o queríamos devolver. Entretanto tivemos que ir à listagem e havia um monte de nomes masculinos. Só o primeiro nome, seguido de vírgula e da palavra "cliente". Acabamos por ligar para um que dizia "mãe".
Atende uma senhora e vou tentar reproduzir o diálogo, digno de uma rábula de costumes!
-Estoue? Lili, filha?
-Não minha senhora. Encontrei este telemóvel e queria devolvê-lo à sua filha, tem algum outro número para onde eu possa contactá-la? Ou prefere anotar o meu número e avisá-la para ela entrar em contacto comigo?
-Ai balha-me Deus! A Lili inda agora me ligoue! O que foi que lhe acontexeu? Não me minta!
-Nada, minha senhora. Ela só perdeu o telemóvel e eu queria devolvê-lo.
-Mas perdeu adonde?
-Na casa de banho das senhoras do Centro Comercial X.
-E o que fazia o xenhor na caja de banho das mulheres? É algum tarado ou quê?
-Foi a minha mulher que encontrou o telemóvel. A senhora dá o recado à sua filha? Ela deve estar aflita!
-Mas não posso dar o recado, o xenhor é que tem o telemóbel dela. Ela mora em Lisboa e eu estoue na Lexa da Palmeira!
-E a senhora não sabe o número dela de casa ou do trabalho?
-O pai dela é que xabe, espere lá que eu boue chamar que ele 'tá lá fora no anexo!
-Xim? Para que é que o xenhor quer o número de caja da minha Lili?
Nova explicação, depois de dois longos suspiros...
-Ah, boue procurar. Ligue mais daqui a bocadinho, xim?
Entretanto o telemóvel toca. É a Lili. Combinamos um local para lhe ir entregar o telemóvel que parece um OVNI.
A Lili é loura (de farmácia). Usa sandálias plataforma brancas, altíssimas, lentes de contacto verdes e unhas de gel, enormes.
Equilibra-se numa bruta mini-saia e tem um decote escandaloso. Pestaneja os olhos verde falsos cheios de lágrimas e de charme para o meu marido, olhando directamente para os olhos verdes (verdadeiros) dele e sussurra um "muito, muito obrigado".
Ah se os paizinhos da Lili sonhassem o que ela anda a fazer em Lisboa...
PS:
Eu queria entregar o telemóvel nos "perdidos e achados", mas os homens têm que complicar tudo. Ser honesto dá uma trabalheira!